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domingo, 3 de julho de 2011

Poodle na vida pessoal, pit bull na política


Descrita como “pragmática”, Gleisi Hoffmann já foi do PCdoB e do PMDB. Hoje, participa de um grupo místico indiano e demonstra notável talento para arrecadar fundos de campanha
LUIZ MAKLOUF CARVALHO
Celso Junior/AE
ASCENSÃO
A nova ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, em Brasília. Ela trabalhou na Itaipu, quando Dilma era ministra de Minas e Energia
Na noite da mesma terça-feira em que a senadora paranaense Gleisi Helena Hoffmann se sagrou ministra da Casa Civil, o deputado federal e conterrâneo José Carlos Becker de Oliveira e Silva, ou Zeca Dirceu, não cabia em si de felicidade. Em três minutos no telefone, disse: “Ela tem luz própria. Tem carisma. É meiga. Carinhosa. Encantadora. Ótima gestora, excelente formadora de equipes e tem uma disposição inacreditável para trabalhar”. Dirceu conhece a nova ministra da militância petista estadual, com campanhas memoráveis em que estiveram juntos e, até ontem, visitas movimentadas a municípios de sua base eleitoral, como Cruzeiro do Oeste, onde ele foi prefeito.
“Ela sempre foi da nossa corrente”, disse o deputado. Não deixa de ser uma explicação já de si satisfatória para a chegada de Gleisi à Casa Civil: “Nossa corrente” é aquela tendência do PT que atendia por Articulação e de uns tempos até agora continua operosa como Construindo um Novo Brasil. Ostensivamente majoritária no partido – muitas vezes acusada de sacrificar a democracia a seus interesses pragmáticos –, é, como se sabe, a tendência do pai de Zeca, o ex-ministro da Casa Civil e ex-deputado José Dirceu, do ex-presidente Lula, do ex-ministro Antonio Palocci, do marido da senadora, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, e, por último, mas não menos importante, não mesmo, do ministro Gilberto Carvalho.

Em que pesem a independência e o protagonismo da presidente Dilma, não há hipótese de que algum quadro petista assuma o Ministério dos Ministérios sem a bênção dos que comandam a corrente de, digamos, Zeca Dirceu. Nos encômios à ministra, ele só foi superado pelo presidente do PT do Paraná, o economista Ênio Verri, igualmente construtor da Novo Brasil. Em nota oficial para saudar a ascensão de Gleisi, ele a classificou como “um quadro político de intermináveis virtudes”.
Filha de descendentes de alemães, pai e mãe, nascida quando a ditadura militar ia em seu segundo ano, Gleisi seria mais uma Grace, é o que se conta, em homenagem à atriz que virou princesa. Um erro do pai fez o cartório grafá-la como ficou. Começou a sair do anonimato quando a ditadura já ia pelo seu último general, João Batista Figueiredo. A estudante secundarista, que um dia quis ser freira, acabou virando comunista – e do PCdoB, o da guerrilha do Araguaia, que a ditadura dizimara. Hoje, a ministra nem põe a sigla nos currículos que suas assessorias distribuem. Ela destacou-se no PCdoB e foi das mais jovens a integrar sua direção nacional. Seu guru era o jornalista Fábio Campana, mais tarde assessor de Roberto Requião, do PMDB, com quem viria a romper. Gleisi presidiu entidades secundaristas aparelhadas pelo partido e foi vice-presidente de uma delas, a União Brasileira de Estudantes Secundaristas. Não há notícia de militância mais destacada na universidade, na qual se formou em Direito.
O jornalista Neylor Toscan a conheceu em 1987 na Assembleia Legislativa do Paraná. Em 1988, ele assinou a ata de fundação do PSDB nacional. Gleisi já passara pela Câmara de Curitiba, como assessora de vereadores do PMDB, entre eles Jorge Samek, que então acompanharia como deputado do PT. Embora não goste de relembrar esse passado, ela integrou a juventude do PMDB. No mesmo 1988 em que Toscan se atucanava, o governador Álvaro Dias, então emedebista, nomeou Gleisi para o Conselho Estadual da Juventude.

A Gleisi nunca pensou em outra coisa que não fosse atuar na política 
NEYLOR TOSCAN, jornalista e ex-marido de Gleisi
Três anos de namoro depois, já no PT, casou-se com Toscan, funcionário concursado do Banco do Brasil (BB) e militante do movimento sindical, no qual despontava, com base em Londrina, o também funcionário do BB Paulo Bernardo Silva. Casado com uma dentista que lhe deu três filhos, PB, como ficou conhecido, integrava a cúpula petista desse poderoso e operativo nicho sindical. “A Gleisi nunca pensou em outra coisa que não fosse atuar na política”, disse Toscan a ÉPOCA.
Em 1993, quando Paulo Bernardo se candidatou à reeleição para deputado federal, Toscan, que nunca se filiou ao PT, suou a camisa pela eleição do amigo. Gleisi o acompanhou. PB foi eleito e voltou a sentar praça em Brasília. De volta ao banco, Toscan passou num concurso interno que também o levou à capital. Como acompanhou o marido, Gleisi ganhou o emprego de assessora técnica na Câmara dos Deputados. No gabinete do deputado Paulo Bernardo.
Provavelmente, para diminuir custos, o casal Gleisi-Toscan passou a morar no apartamento funcional de Paulo Bernardo. Na semana brasiliense de terça-feira a quinta-feira, ficavam os três. No fim de semana, PB retornava às bases, à mulher e aos filhos. Como assessora dele, o jeito Gleisi de ser começou a se destacar. “Um poodle no trato pessoal e muito firme na política”, diz Toscan.
Uma das qualidades que Toscan observou na mulher foi o que chama de “adaptabilidade”. Quando iam ao sítio Cabana Vô Nides, que ela tem, herança do avô, em Mafra, divisa do Paraná com Santa Catarina, Toscan ficava impressionado com a rapidez com que passava a falar, a vestir e até a dançar como os da região. Também cantava, principalmente músicas de Chico Buarque, em reuniões sociais com amigos. Como ela viajava muito, e ele também – era assessor do presidente do BB, Alcir Cagliari, durante o governo Itamar –, o casamento foi “acabando, acabando... e acabou”, seis anos depois. Foi em 1996, no segundo ano do mandato de Paulo Bernardo.
Já se vão 15 anos, e o tempo, como se sabe, é cicatrizador. Paulo Bernardo também separou-se da dentista. “A amizade prevaleceu, cada qual seguiu seu rumo, e somos amigos até hoje”, diz Neylor Toscan. Hoje ele é dono da Via Corporativa Comunicação, uma empresa de assessoria sediada em São Paulo, “sem nenhum contrato com o poder público, pode acrescentar”.
Jonathan Campos/Gazeta do Povo
FORÇA
Gleisi com Paulo Bernardo e os filhos do casal em Curitiba, no dia de sua eleição para o Senado. Ela arrecadou o dobro de Requião
Casada com Paulo Bernardo, com quem tem um casal de filhos, Gleisi teve empregos paralelos ao dele em governos do PT. Foi assim no governo Zeca do PT, em Mato Grosso do Sul, e na prefeitura de Londrina, na gestão do prefeito Nedson Micheleti. O currículo de Gleisi conta que ela é especialista em gestão de organizações públicas e administração Financeira. Tudo isso a levou, Lula eleito em 2002, a participar da equipe de transição, como Dilma Rousseff. O já influente petista Jorge Samek a encaixou na diretoria financeira da Itaipu, que presidia. Foi a primeira vez que ficou na esfera de comando de Dilma, então ministra de Minas e Energia. O ex-deputado Pedro Tonelli, segundo suplente da senadora Gleisi, trabalhou com ela em Itaipu, onde tem um cargo de confiança. “Quando a burocracia enrolava demais, ela batia o pé”, diz.
Em março de 2005, Paulo Bernardo licenciou-se mais uma vez da Câmara para virar ministro do Planejamento do primeiro governo Lula. Em 2006, licenciada da Itaipu, e do salário mensal – 15 por ano – de US$ 17 mil, Gleisi quis ser senadora. A ex-deputada federal e ex-presa política Clair da Flora Martins também quis. Elas bateram chapa numa prévia interna, algo tensa, e mais uma vez a Novo Brasil levou. A mulher do ministro, neófita em eleições, teve 2,3 milhões de votos, 45,1%. Perdeu para o agora tucano Álvaro Dias, que teve 50,5%.
Em 2007, Gleisi venceu fácil, mas com luta interna tensa, a eleição para a presidência do PT paranaense. Até os adversários internos reconhecem que ela organizou o partido – e conseguiu pilotar bem a relação de convivência com os governos de Roberto Requião. “A experiência de dirigir o PT no Estado mostrou que ela tem bom fígado, bom estômago e muita habilidade política”, diz Tonelli. O deputado estadual petista Tadeu Veneri é da tendência Militante Socialista. Já enfrentou Gleisi numa prévia – candidatura à prefeitura – “tensa mas civilizada”. Perdeu, é claro. “O pragmatismo da Gleisi, mais do que habilidade política, é um traço do caráter”, diz ele. “Ela tem qualidades, vai ser uma boa ministra, mas o problema desse campo majoritário é o destensionamento permanente com as propostas do partido.”
Nos tempos de presidente do PT do Paraná, Gleisi surpreendeu muita gente com a revelação, em um artigo, de sua militância mística. Contou que já fora três vezes à Índia participar do evento Call of the Time (O Chamado do Tempo), organizado pela Universidade Espiritual Mundial Brahma Kumaris. “O objetivo é dialogar sobre a situação atual do planeta, da humanidade e indicar ações e atitudes para melhorar as relações sociais e o nosso planeta”, disse. Ela costuma acordar bem cedo para fazer meditação.
Nas eleições para a prefeitura de Curitiba, em 2008 – ano quatro de PB ministro de Lula –, sua campanha arrecadou R$ 6,1 milhões, R$ 100 mil a mais que o candidato tucano e hoje governador, Beto Richa. Ele teve 778.514 votos, ela apenas 183.027. Os maiores doadores de Gleisi foram as empreiteiras Camargo Corrêa (R$ 700 mil) e CR Almeida (R$ 310 mil). OAS, Braxcol e UTC Engenharia deram R$ 250 mil, cada uma. Vega e WTorre entraram, cada uma, com R$ 200 mil. A WTorre, como se sabe, foi uma das empresas que admitiram ter contratado a consultoria do ministro Antonio Palocci, que tanta confusão deu.
A vitória eleitoral de Gleisi só veio em 2010 – ano seis de PB no ministério –, com mais de 3 milhões de votos, 29,50%. Virou a primeira senadora do Paraná. Comparando apenas as duas eleições para o Senado – 2006 e 2010 –, suas receitas de campanha subiram de R$ 1,53 milhão para R$ 7,98 milhões, um aumento de 420%. O outro senador eleito em 2010 foi Requião, com R$ 3,09 milhões, menos da metade de Gleisi. Em 2006, os maiores doadores foram OAS (R$ 100 mil), UTC Engenharia (R$ 100 mil) e Itaú (R$ 50 mil). Em 2010, os maiores foram empreiteiras que tinham, e ainda têm, contratos com o governo. A OAS passou para R$ 780 mil. A Camargo Corrêa doou R$ 1 milhão. A CR Almeida e a UTC Engenharia doaram, cada uma, R$ 250 mil, mesmo valor da IBQ Indústria Química.
Nas palavras do deputado Zeca Dirceu: “A presidente Dilma fez a melhor escolha que poderia ter feito. A Gleisi é uma estrela. E vai brilhar”.
Fonte - Época

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