O marinheiro apontado pelo camaronês lançado ao mar como seu agressor ainda é acusado por racismo e tortura
Relembre
Marinheiros alegam inocência, e camaronês cobra por entrevista
Na edição de domingo, a Gazeta do Povo publicou a versão apresentada pelos marinheiros sobre as denúncias do clandestino. Eles afirmaram desconhecer a presença de Ondobo no navio e negaram as acusações de racismo, tortura e tentativa de homicídio. O comandante Coskun Çavdar disse que, antes de deixar o porto em Douala, houve uma inspeção completa e nenhum clandestino foi encontrado. “Como podemos ser acusados por torturar e lançar um homem ao mar se nunca ele foi avistado por nenhum de nós?”, perguntou. O marinheiro de convés Orhan Satilmis também negou as acusações e afirmou confiar na decisão da Justiça.
Procurado para conceder uma entrevista na semana passada, Wilfred Ondobo pediu R$ 100. Por uma questão ética, a Gazeta do Povo não paga para obter informação de espécie alguma, seja de forma direta ou indireta. Em depoimento na Polícia Federal, ele disse que entrou clandestinamente no navio no porto de Douala em 16 de junho. Na versão do clandestino, após oito dias escondido embaixo do motor do guindaste, ele teria saído à procura de alimentos e água. Ao encontrá-lo, alguns marinheiros passaram a agredi-lo com chutes e socos e depois o trancaram em uma minúscula cabine. No local, ele teria ficado preso durante quatro dias, sem poder dormir. A todo o momento, durante o dia e a noite, os marinheiros batiam na porta. Um dos tripulantes, identificado mais tarde como Orhan Satilmis, teria lhe dito que não gostava de negros, pois são todos animais.
No dia 27 de junho, após fundear a embarcação próxima à costa, os tripulantes teriam entregado a ele, 150 euros, 30 dólares e uma lanterna para que chegasse ao Brasil. Ondobo declarou que não sabia nadar. Mesmo assim, ele afirmou que os homens disseram que “era a única saída”.
Citando trechos de uma entrevista de José Saramago, na qual o escritor português afirma que “é essa indiferença em relação ao outro, essa espécie de desprezo do outro, que eu me pergunto se tem algum sentido numa situação ou no quadro de existência de uma espécie que se diz racional”, a procuradora Antonia Lélia Neves Sanches, do Ministério Público Federal (MPF), denunciou os 19 tripulantes do navio Seref Kuru, de bandeira de Malta. Eles estão retidos sob liberdade vigiada em um hotel de Paranaguá, no litoral do estado. A denúncia, protocolada no fim de semana, foi obtida com exclusividade pela Gazeta do Povo.
Acusados de jogar ao mar, a oito milhas náuticas (14,4 quilômetros) da costa brasileira, o camaronês Wilfred Happy Ondobo no fim de junho, os marinheiros foram denunciados individualmente. Orhan Satilmis, marinheiro de convés, apontado por Ondobo por desferir chutes e socos contra ele, foi o principal alvo do MPF, sendo acusado por tortura, racismo e tentativa de homicídio. O comandante do navio, Coskun Çavdar, também foi denunciado por tortura e tentativa de homicídio. Os demais membros da tripulação foram acusados por tentar contra a vida do clandestino.
As ações propostas contra a tripulação do Seref Kuru devem ser analisadas durante a semana pela Justiça Federal, em Paranaguá, que decidirá pelo recebimento ou não da denúncia. Durante a fase de apuração do caso, o MPF já havia solicitado a prisão preventiva do marinheiro Orhan Satilmis. O pedido foi indeferido em primeira instância. Os procuradores apelaram ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, mas a liminar também foi negada.
Procurado para comentar a denúncia do MPF, o advogado Giordano Vilarinho Reinert, responsável pela defesa dos tripulantes do Seref Kuru, estava com o celular desligado durante o fim de semana. A procuradora do MPF não foi localizada. Em Paranaguá, os marinheiros denunciados não saíram do hotel durante o domingo, e houve aumento no número de seguranças no local.
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